Isabela do Lago

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Belém, Pará - Amazônia, Brazil
A natureza da coisa arte em minha trajetória ocupou lugar no que se diz opção profissional, nem sei dizer nada a respeito de vocação pois nunca ouvi o tal "chamado". Por toda a minha vida tenho cercado o ato de produzir imagens, sejam elas desenhadas, pintadas, fotografadas, filmadas, dançadas, cantadas ou aquelas que figuram mundos internos nas almas imersas em situações nada concretas, a realidade vem a partir da leitura de quem se presta ao ato existir. Intuição, paixão e o nada me tocam neste viver o sentimento criativo desde que sinto coisas que não vejo e procuro transformá-las em algo visível e para que isto aconteça vivencio a criação no momento dela - e depois a esqueço.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

I - AS SEREIAS MARAJOARAS OU 2 COBRAS GRANDES E UMA FEITICEIRA EMUDECIDA




Chega a ser uma sentença matemática, mas não tautológica. Uma sereia sentada numa pedra onde as ondas do mar jogam sua líquida fúria é uma condição arrebatadora do inapreensível desejo de existência da entrega. Você já presenciou isso?
E se esta sereia de longos cabelos verdes e busto extravagante te olhar diretamente e começar a cantar, o que você vai fazer? Acaso você já vivenciou um encontro com sereias? Quantas vezes?
Sereias são seres que transitam entre o real e o fantástico, não são fantasmas porque não estão mortas, mas também não estão vivas, elas simplesmente acontecem diante dos nossos olhos à beira-mar, ouvimos o seu canto e vivenciamos a maior das maravilhas mundanas, a sedução por imagem e som, e isto é uma pausa.
Atenção: Pausa. Fazer um filme é entregar-se a uma pausa. Uma sereia é um filme. Logo: Projetar um filme é oferecer uma sereia, então, falar sobre as sereias projetadas é dividir o devaneio e assim, socializar a pausa. Lá fora os carros passam, as festam queimam, um cachorro faz cocô na calçada, o guarda de trânsito apita, a mulher anda nas ruas, e tudo o mais vibra e gira e pula, dentro do cine CCBEU juntos, nos entregamos, vivemos algo em comum-união, vivemos o cinema marajoara.
O fascínio que declaro a este canto de sereia não nasce do canto atual, projetado, mas do que ele se propõe a ser, ou seja, nada além daquilo que o cinema jê é, ou seja, sereia.
As sereias marajoaras trazidas nesta sessão se chamam “A festa da cobra”, “Sucuriju” ou “A lenda da Cobra Grande” e “Quem calou a língua da feiticeira que os donos do mundo temiam”, parece que num acaso de criação fez-se aqui uma seqüência quase que lógica entre estas três obras, com estes três títulos assim dispostos um espectador que não conhece este trabalho pode facilmente fazer um filme em sua tela interior e desenvolver uma ilusão de sedução tentando antecipar a leitura antecedendo os fatos, ou pode um outro espectador atirar-se numa repulsa, imaginando encenações de mitos amazônicos segundo manda a ordem dos mesmistas folcloristas e regionalistas de lenda de boto com tucupi, perfeitamente compreensível, pois, há muito que a cultura marajoara é vista de fora pra dentro e há muito que se vende uma imagem folclórica da cultura marajoara, sendo exatamente folk-lore a sabedoria do povo com um quê de cultura “do outro”, nada mais preconceituoso.
- A reflexão de que filmes são sereias nasceu justamente porque pensando nestes três filmes do Coletivo Resistência Marajoara selecionados aqui, é que certamente quem se der a contemplá-los verá que não são absolutamente nada do que anteriormente foi imaginado e bem como esta quebra de ilusão é a força que nasce deste mar donde germinam outras ilusões, aqui falo do cinema marajoara feito pelas mãos da gente marajoara, e portanto, prevalece a força expressiva de quem tem este encanto.
Desde o início deste coletivo têm prevalecido duas categorias/tipos de filmes: O documentário e aquilo que compactuamos chamar de vídeo-teatro, todos coletivos e com o uso da luz solar. Somos um coletivo de artistas jovens, dentre eles há mães e pais de família, estudantes, desempregados e desempregadas, professores, todos e todas com disposição para se lançar a recursos expressivos do áudio-visual para falar da cultura marajoara em foco contemporâneo.
Os documentais, como “Festa da Cobra” são recortes da vivência do grupo na cidade de Soure onde se fala de pessoas e acontecimentos do cotidiano cultural desta cidade. Os vídeo-teatros também permeiam estas fímbrias de pensamento que só pode haver na cabeça de quem vive no Marajó, a diferença é que usamos da mística local em busca da realidade poética para compor as obras, ou ao que se pode chamar de delírio e de sonho. A aura mística é para nós o canto de sereia, nos vídeo-teatros estamos exercitando a linguagem artística em questionamento aos problemas sociais vividos pela juventude, portanto, ambos, “Cobra grande” e “feiticeira são absolutamente políticos, e lançam um olhar sobre a história do arquipélago.
*:) Bela do Lago

II- AS SEREIAS MARAJOARAS OU 2 COBRAS GRANDES E UMA FEITICEIRA EMUDECIDA


(cont...)
A reflexão de que filmes são sereias nasceu justamente porque pensando nestes três filmes do Coletivo Resistência Marajoara selecionados aqui, é que certamente quem se der a contemplá-los verá que não são absolutamente nada do que anteriormente foi imaginado e bem como esta quebra de ilusão é a força que nasce deste mar donde germinam outras ilusões, aqui falo do cinema marajoara feito pelas mãos da gente marajoara, e portanto, prevalece a força expressiva de quem tem este encanto.
Desde o início deste coletivo têm prevalecido duas categorias/tipos de filmes: O documentário e aquilo que compactuamos chamar de vídeo-teatro, todos coletivos e com o uso da luz solar. Somos um coletivo de artistas jovens, dentre eles há mães e pais de família, estudantes, desempregados e desempregadas, professores, todos e todas com disposição para se lançar a recursos expressivos do áudio-visual para falar da cultura marajoara em foco contemporâneo.
Os documentais, como “Festa da Cobra” são recortes da vivência do grupo na cidade de Soure onde se fala de pessoas e acontecimentos do cotidiano cultural desta cidade. Os vídeo-teatros também permeiam estas fímbrias de pensamento que só pode haver na cabeça de quem vive no Marajó, a diferença é que usamos da mística local em busca da realidade poética para compor as obras, ou ao que se pode chamar de delírio e de sonho. A aura mística é para nós o canto de sereia, nos vídeo-teatros estamos exercitando a linguagem artística em questionamento aos problemas sociais vividos pela juventude, portanto, ambos, “Cobra grande” e “feiticeira são absolutamente políticos, e lançam um olhar sobre a história do arquipélago.
*:) Bela do Lago

III - AS SEREIAS MARAJOARAS OU 2 COBRAS GRANDES E UMA FEITICEIRA EMUDECIDA


(cont...)Em “Cobra grande”, o grupo estava ainda no início, quando um conjunto de oficinas, dentre elas, roteiro e produção, teatro de máscaras e outras aconteciam quase que simultaneamente. Pegando sequência no documental “Festa da cobra”, em julho de 2009, decidimos falar sobre a perda da educação popular através da oralidade, o mito da cobra-grande, apareceu naturalmente numa entrevista com o Senhor Ilário, que é um respeitado pajé local que nos falou sobre a Sucuriju, uma entidade da pajelança, que segundo ele foi uma princesa encantada por uma cobra-grande na antiga fazenda “Sossego”. Conversando com o grupo, percebi que havia certa repulsa em falar sobre o assunto, uns por motivos religiosos, outros por simplesmente desconhecer, e até por medo do sobrenatural aquele era o momento decisivo, era o ponto nevrálgico de nosso trabalho que queríamos mais que tudo abordar o distanciamento da juventude do conhecimento tradicional e queríamos fazer isto usando o teatro de máscaras, e mais, queríamos isto num formato de vídeo. Assim, o relato do pajé orientou a construção de nosso roteiro, que como num quebra-cabeças, procuramos pensar cenas em que houvesse a representação desta desterritorialização da juventude marajoara.
De minha parte, na hora de compor as cenas, propus o processo de construção das máscaras, como fator de imersão materializada das personas.
A gestualidade dos atores e atrizes é praticamente robotizada, limitam-se por mover a cabeça para a direita e esquerda sob o comando de um personagem, e tiram e colocam a máscara, revelando o rosto limpo, sendo, neste jogo de personas uma junção de personagens míticos e não míticos, misturando o jogo do narrador, sendo a princesa encantada uma das personagens tidas como “gente nossa” ou “viva”. Foi simbolismo convencionado entre nós, a cena final, onde a única personagem que se movimenta dançando carimbo, queima a saia diante do olhar imóvel dos outros, queimar esta saia foi um ato de expressar este mal-estar diante do fato cultural.
Em “Quem calou a língua da feiticeira...” o questionamento continua sendo o mesmo, desta vez, houve um emaranhado ainda maior a ser solucionado, pois, não estávamos diante da narrativa oral do imaginário marajoara a ser traduzida em imagem, e sim da adaptação literária de um texto que fala da perda desta oralidade, a poesia da poesia de outra poesia aconteceu com aporte da dramaturgia e da composição de quadros, além do mais, neste caso, o roteiro já estava praticamente escrito pelas mãos de Dalcídio, e seguir este roteiro dalcidiano foi um profundo mergulho no mar, o grupo já mais maduro teve a adesão de novos e novas artistas, que certamente contribuíram muito para a montagem deste quebra-cabeças.
Sendo o cinema uma arte que se alimenta de outras artes, e absolutamente autônoma a existência do objeto filme, a dramaturgia junto a experiência de vida de cada um de nós foram peças fundamentais para a execução desta obra, pois o aparato teórico-expressivo fundamentou-se na literatura dalcidiana passando pelo teatro do oprimido e no método de imersão de cena segundo a proposta de Stanislavski, em o ponto médio entre o olho da câmera e o corpo em cena. Sem diálogos orais, mas não mudo, pois, a marca maior do histórico de opressão que o povo marajoara sofre ao longo dos tempos só pode se esxpressar pelo silêncio, restando-nos apenas a eloqüência dos códigos da arte cinematográfica, juntos solidários e colaborativos fizemos mais esta sereia marajoara, inicialmente mágica, mítica e fantástica que canta um canto lamentoso e chama a entrar no mar da exclusão sócio-cultural, neste mar, nadam a sedução da tecnologia e o olhar trágico de jovens artistas.

*:)Bela do Lago