Isabela do Lago

Minha foto
Belém, Pará - Amazônia, Brazil
A natureza da coisa arte em minha trajetória ocupou lugar no que se diz opção profissional, nem sei dizer nada a respeito de vocação pois nunca ouvi o tal "chamado". Por toda a minha vida tenho cercado o ato de produzir imagens, sejam elas desenhadas, pintadas, fotografadas, filmadas, dançadas, cantadas ou aquelas que figuram mundos internos nas almas imersas em situações nada concretas, a realidade vem a partir da leitura de quem se presta ao ato existir. Intuição, paixão e o nada me tocam neste viver o sentimento criativo desde que sinto coisas que não vejo e procuro transformá-las em algo visível e para que isto aconteça vivencio a criação no momento dela - e depois a esqueço.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Falida e Suspeita: O perigo em fazer a Lost na encruzilhada do canal do São Joaquim


Esta noite fui ali na rua.
Não, nada demais não, só peguei a bicicleta e fui dar um rolê básico, queria mesmo era ter alguém pra conversar, ou talvez outros contatos corporais, mas parei logo ali na ponte do canal do São Joaquim e fiquei ali, tomando o ar da lua (que nem tava aparecendo no céu), e respirando o aroma fúnebre do lodo e dos dejetos todos que pairam ali naquele canal, que outrora já foi um rio cristalino.
Veio de lá o seu polícia querendo saber oque eu estava fazendo ali, ora, lógico que eu respondi que não era da conta dele, e não é mesmo, nem da conta dele e nem de ninguém! Mas foi mais ou menos assim óh:

- Boa noite, moça...
-Moça não, senhora.
-Posso saber então oque a senhora faz aqui parada e sozinha a essa hora da noite tamanha segunda-feira?
-Não senhor, isto aqui é a rua, tenho direito de ir e vir a hora que eu quiser, sou uma cidadã brasileira.Quer mesmo saber? Eu estava rezando!
- Mas aqui é perigoso, a senhora não deveria vir rezar sozinha por aqui.
(Pensei com meus botões “mas eu não posso nem fazer a “lost” em paz, que inferno.) E respondi mansamente:
-Não estou só, nunca ando só, já falei, estava rezando... O moço tá desocupado e resolveu me atrapalhar né? Olhe seu guarda, eu vim pra cá por conta própria, não estou fazendo nada de mal a ninguém, só quero ficar aqui parada, olhando os carros passar, só quero ficar pensando um pouco na vida, pode ser?
-Mas senhora, meu dever é...
-É oque? E por acaso o senhor acredita mesmo que eu não sei qual é o seu dever? E por acaso o senhor não acha que eu também não sei dos meus direitos? Mas que inferno de mundo é esse que nem na beira da porra da vala a gente não pode ficar sossegada um instante? Moço, se o senhor quiser mesmo trabalhar porque não liga pra sua unidade e não pergunta se está tudo bem por lá, se estão precisando de alguma coisa, olhe moço, estou aqui porque sou uma mulher falida, se eu fosse muito bem sucedida estaria ocupada contando dinheiro em algum lugar bem fechado.
-Ah então a senhora está aqui procurando dinheiro? Está esperando alguém especial... desça da bicicleta com as mão para cima e me dê seu documentos...
-não, obrigada.
- Como assim “não, obrigada”.
- Bem... quando disse isso estava apenas te dando uma resposta negativa e sendo gentil e educada com um policial que insiste em ser irritante e preconceituoso e vem interromper o único momento do dia que eu tinha só pra mim! Moço, meus documentos ficaram em casa, moro logo ali adiante, e tem mais uma coisa – Você não tem o direito de me baculejar!
- A senhora está em atitude suspeita, e eu estou de serviço até meia noite.
-Suspeita de que? Pode me explicar, por favor? E o senhor, heim... onde é o seu posto? Qual é o seu nome? Quem são os seus superiores? O senhor teria um cigarro pra me arranjar?
- EU É QUE PERGUNTO! Tá tentando me enrolar, não fumo, olhe eu quero saber quem é que está por traz dessa sua atitude de ficar aqui parada sozinha, isso aqui é ponto de assalto, de prostituição é um lugar de....
(comecei a chorar)
-Senhora as coisas estão piorando pro seu lado. Quero saber oque a senhora está fazendo aqui, tava toda engraçadinha e agora tá chorando.
(subiu um fogo pelo meu pescoço e respondi gritando)
- Tô chorado porque não tenho nada! Aaaaaiiiii moço, me dá um abraço! Não tenho ninguém me esperando nem aqui nem em nenhum lugar! Não tenho trabalho, não tenho drogas e nem sou prostituta, não tenho amor, não tenho amigxs com quem nesse momento eu possa conversar, não tenho nada! Na-da! Estou em crise, não vejo sinais possíveis de sociabilidade nessa cidade, entendeu? Sou só uma mulher falida, livre e falida o senhor me entende? Lá dentro de casa só tem tédio e um mote de gente hipócrita falando porcaria nas redes sociais, eu não tenho um centavo e estou preocupada, minha casa não existe, moro de favor, olhe moço... eu poderia estar num lugar melhor, mas parei aqui na beira da vala, porque sai pra dar uma pedalada e pegar um vento na cabeça, sabe moço...Me identifiquei com essa vala entupida de lixo, mulher falida FOI OQUE EU DISSE, eu só queria ter alguém pra conversar, mas o senhor não tem conteúdo! Que inferno de formação foi essa que lhe deram? Vocês só conseguem ver gente suspeita, isso aqui é a rua, moço, ru-a! Local público, porra!
- Se a senhora continuar gritando eu vou entender isso como um desacato...
- Desacato? Poxa eu to pedindo um abraço! Não seja cruel, mas taí, mete ficha! estou péssima e o senhor, me chamou de suspeita, pô cara, teu Círio foi bacana? Tu tá de boa com a tua família? Tu gosta dessa profissão?
- Querida minha vida pessoal não lhe diz respeito.
- Em primeiro lugar, eu não sou “querida”, todos me odeiam, em segundo lugar, a minha medíocre vida também não lhe diz respeito! Ou tu és melhor do que eu? Deve ser né, ou deve se achar melhor do que eu nesse caralho, tem essa farda, tem esse salário de merda, é homem, é branco, tá a serviço do Estado, que te oprime, mas é teu patrão, tem arma, munição, é justo isso? Sou apenas uma pobre senhora, mas olha só como são as coisas, sou eu quem paga todos os teus privilégios, o senhor trabalha só porque pessoas como eu existem, sabia? Me faça um favor que horas são?
- São 11:55... senhora, pare de chorar por favor...
- O senhor tem um lenço? Está na hora de terminar seu expediente.
- Não tenho lenço. Que? Meu expediente?
- Sim, tu que disse que tava de serviço até meia noite...Mas que tipo de policial é esse? Como assim não tem um lenço? Me fez chorar, me humilhou aqui, e agora que já está hora de terminar o seu expediente sim, vai me deixar aqui com a cara cheia de catarro!!! Incompetência tem limite, mano... Olhe vou indo embora.
(Ele começou a deixar escapar um sorriso)
- O senhor me disse que seu expediente terminaria à meia noite, já deu sua hora, eu preciso voltar pra casa, deixei minha filhinha dormindo. Muito obrigada pela companhia, pena que o senhor não tenha assunto que preste para dialogar com uma pessoa como eu, se quiser ver meus documentos vai ter que ir comigo até minha casa, mas se me baculejar eu lhe denuncio.
- ... Nosso dever é...
- Não estão cumprindo muito bem, se estivesse de boa com o seu dever teria percebido que sou apenas uma mulher indefesa.
Ele estendeu a mão para me cumprimentar, enquanto dizia:
-Por favor não chore, a senhora é tão bonita.
fiz um sinal negativo com a cabeça e em seguida um positivo pra indicar ... é... bem, não sei bem oque eu queria indicar, me recusei apertar a mão dele afinal não somos amigos, ele não teve capacidade pra isso.
De fato, ele tinha razão, aquela encruzilhada costuma ser bem perigosa mesmo.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

A FÁBULA DO PEIXINHO DOURADO, DANDARA DOS PALMARES E O CUTITIRIBÁ DO CURUÇAMBÁ


Desde muito cedo, eu já era menina de caminho, de caminhar demais, de morar longe demais, de precisar andar demais, e de andar demais mesmo quando não precisava. Acredito na força do pé sustentando o corpo contra o chão, acredito no caminho, porque o mesmo caminho caminhado muitas vezes me leva à paragens diversas.
Curuçambá? Conheço bem aquele setor, me criei andando naquela quebradas, desde quando aquela quebrada nem quebrada era, antes ali havia uma totalidade de árvores, bichos e igarapés, antes mesmo que viessem famílias e fincassem ali, residências rurais, pequenas roças de quintais largos, e depois veio a urbanização e fragmentou a natureza convertendo-a em ruas de piçarra e amontoados de barracos: paisagem sufocada, sem suspiro entre uma habitação e outra, sim, você já deve ter visto isso por aí em algum lugar, pois este é o meio de violência geográfica mais comum aqui por essas bandas, onde a ordem é suprimir, comprimir e compartimentar, para excluir, massacrar, empobrecer e a isso, pois, chama-se progresso. Daí a bandeiragem do “ordem e progresso”.
Como levo a vida a jornadear, noutro dia retornei ao Curuçambá e me assustei com o tamanho da ponte de concreto que ergueram sobre o igarapé que eu e meu irmão chamávamos de “curva do cutitiribá”, exatamente porque aquele espelho dágua era rodeado pelas sombras de dezenas de pés de cutitiribá, tem gente que chama cutiti, já comeu cutitiribá? Não? Já ouviu falar de Dandara dos Palmares? E da Lei 10.639/03? Não? Então chupa que não é de uva.
Voltemos à ponte, sobre aquilo que era igarapé, e ganhou uma tubulação enorme de concreto e agora serve de depósito de dejetos. Quando criança eu saía de casa e subia pelo beco do 'sangue-areia', me esgueirava entre cercas de arame farpado, pegava o linhão da eletronorte e guinava pela mata à direita, ali a juquira e a tiririca era altas, minhas pernas não se cortavam, porque aprendi a cerrar bem os dentes (para evitar o corte da tiririca sobre a pele, trinque os dentes, funciona!), o desafio era chegar à feira do curuçambá com vida, e ainda cedo a tempo de comprar leite fresco, oque era muito difícil, pois ali reinavam cobras de todas as espécies e peçonhas que se pode imaginar. Bem eu não sei precisar o tempo que levava nessa caminhada, mas sei que saíamos de casa antes do primeiro raio de sol, e chegávamos lá já pelo meio da manhã com o sol bem alto, um belo dia, meu irmão resolveu que queria me mostrar um peixe dourado que achou no igarapé do cutitiribá, que era um peixe lindo e brilhante e que o bicho conversou com ele, acho que eu tinha uns 8 anos de idade, e meu irmão, tinha uns 9, e quando se está nessa faixa de idade, peixes falam, cobras cantam, folhas dançam, bem, isso faz parte da minha realidade, ou da construção dela, até hoje converso com os animais, mas, siga comigo que a estrada é longa.
Não encontramos o tal peixe dourado, como também, depois de muitas horas banhando no igarapé e comendo cutitiribá, não encontramos o caminho de volta, acabamos indo pelo lado errado, não encontramos mais o mercado e pedimos ajuda a um senhor já bem velhinho numa carroça que nos ajudou a voltar para a rua Dona Ana. Desde então, voltei muitas vezes por ali, durante toda a minha infância, adolescência e parte da vida adulta, já nesta ultima fase, evitando certos horários, para não me deparar com nenhuma “desova” de cadáver, caminhando sempre, assisti à derrubada das árvores e dos meus companheiros de caminhada, quanto mais a paisagem mudava, mais amigos e amigas de infância eram executados, e o cutitiribá foi se tornando um fruto cada vez mais raro, meu irmão teve ainda muitas visitas do peixe dourado em seu sonhos, o bichinho pedia a ele que voltasse lá, ele deixou de ir lá porque o local estava cada vez mais perigoso, eu desobedecia sempre que podia, voltava sempre lá, mas comigo esse animal nunca deu sequer uma palavra.
Eu já tinha 21 anos quando entrei na universidade, e um belo dia, voltando da aula, vi o ônibus “curuçambá UFPA”, resolvi apanhar para voltar para casa, já tarde da noite, a essa altura o Curuçambá já era um bairro perigoso na concepção da maioria das pessoas, eu não conseguia encarar esse fato, queria mesmo era voltar por aquele caminho, e com a mudança da paisagem, me perdi novamente, já passava das 10 da noite quando vi uma movimentação na porta de uma casa, parecia uma agitação atípica, tomei coragem e fui até lá, tentei pedir um copo dágua, na verdade eu queria pedir ajuda, informação de como voltar à rua Dona Ana, quando me deparei com uns gritos lá dentro, era uma mulher parindo, sim, nasceu uma menina diante dos meus olhos, junto àquela mãe e bebê, haviam duas velhas e mais umas três crianças bem pequenas, ofereci ajuda, fiquei por ali a noite toda, afinal, num lugar onde eu só tinha notícias de morte, presenciar um nascimento era uma dádiva! Voltei para casa ao amanhecer, e muitos amanheceres tem se passado desde então.
Há poucos dias voltei ao curuçambá, fazendo uma pesquisa sobre a implementação da Lei 10.639/03 (que torna obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira nas escolas), e descobri que a identidade da juventude e infância desses estudantes têm sido lesada, fraturada e grande parte da responsabilidade desse problema é justamente dos professores que nunca comeram cutitiribá nem tampouco falaram com peixe na infância.
Primeiramente, nessa dita escola, quando eu perguntava se existem casos de racismo, discriminação racial na escola, todos os educadores e alunos respondem que não, posteriormente, em perguntas mais profundas acabavam todos falando do caso de Dandara, que não se chama Dandara, a apelidaram assim e esqueceram o nome dela, uma mocinha negra de 16 anos de idade, que é capoeirista e que não tem assistido às aulas, e vem queixando-se de sofrer discriminação na sala de aula, por isso ela vai à escola todos os dias, deixa a mochila na cadeira e fica sentada no corredor da escola o dia todo, e perguntando ainda mais, não, ninguém nunca interferiu na situação porque acreditam (em uníssono) que seja “malandragem”, que ela está se prevalecendo do lugar de vítima para não estudar. Tá vendo? Esse povo que não conversa com peixe não consegue ter imaginação, sempre esse mesmo discurso querendo criminalizar o oprimido.
Tanto fiz, que um dia, finalmente conheci a moça, e de fato ela é bem diferente das outras moças da idade dela ali naquela escola, Dandara usa tranças nagô nos cabelos, nenhuma maquiagem, muitas pulseiras e colares com as cores da Jamaica, brincos enormes, e fala muito bem, articula-se com muita facilidade, tem até um vocabulário diferenciado das outras meninas. Como a encontrei na hora da saída, ela me disse que não poderia conversar porque estava indo para casa, então, a acompanhei até sua casa, fomos conversando no caminho, como disse lá no início, sou mesmo uma mulher de caminho, é com o pé na estrada que minha vida se faz vida, encontrando parceiragem boa de conversa então, aí é que eu me faço mesmo, infelizmente não tenho tanta melanina quanto Dandara, mas estou acostumada com a sofrência do sol, caminhávamos ainda quando toquei no assunto do racismo, debaixo daquele sol escaldante do meio-dia, ela me disse que rasgam o caderno dela, riscam os livros, jogam a mochila dela no chão e a rejeitam nos grupos por acreditarem que ela é uma “drogada”. Eu perguntei: “Como você sabe que as pessoas pensam isso de você?” Ela me respondeu: “No dia que trancei os cabelos, perdi o direito de assistir aula em paz, então não assisto aula, estou esperando os professores me reprovarem por falta.”
Quando chegamos na porta da casa de Dandara, tive a impressão de já ter estado ali, pedi a ela um copo dágua (aquela água que não consegui pedir há 16 anos), não só pela sede física e calor, mas pela sede de capturar minha própria memória, bebi a água lentamente, e finalmente perguntei a idade dela, que me respondeu ter 16 anos. Imediatamente perguntei onde ela havia nascido, ela me respondeu que nasceu ali mesmo, naquela casa, pensei: “Será que eu vi Dandara nascer?” Não sei, a mãe dela não estava em casa, por isso não me senti à vontade para estar mais tempo ali, pensei em voltar ali um dia para tirar essa dúvida do meu coração, mas também talvez eu continue esperando o peixinho dourado vir me visitar nos sonhos, mas minha decisão foi retornar à escola e ter uma conversa séria com a equipe de educadores, e assim fiz. O teor do diálogo? Coisas do tipo: “você já comeu cutitiribá? Já ouviu falar de Dandara dos Palmares? Conhece a Lei 10.639/03?” As respostas foram “Não”, eles desconhecem a fruta, a história e a lei.
Sim, o resto da conversa já se pode imaginar, e sim, sou uma mulher de caminho, acredito que o mesmo caminho revisitado muitas vezes pode levar à paragens diversas.

Isabela do Lago

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Mate-me on line por um custo mínimo e seja feliz


É isso mesmo, minha cabeça está em promoção!

Mate mais um perfil de uma mulher preta, com uma expressividade preta e um mínimo desejo de transformação e seja feliz reafirmando sua branquitude neopetencostal: Quanto transtorno sublimado é possível a partir do racionalismo machista-racista-egocentrista que aplaca homens e mulheres nas redes sociais?
Agressões múltiplas em virtude de uma afirmação do eu, mas que “eu” é esse tão vinculado a uma pulsão de morte? Sim, eu falo em morte sim, morte desejada a partir de uma volúpia culposa, orientada para um objeto fora da psiquê e fora da existência afromundana, querem me matar? Socorro querem me matar!(gritos) Tem alguém precisando muito ser feliz a qualquer custo, e para que essa felicidade(virtual?) aconteça, esse alguém precisa muito que eu saia da frente, e pior, é alguém que está por perto, à espreita, se calhar até sorrindo pra mim, e lá pelas minhas costas esse alguém se utiliza de meios hipócritas, há uma identidade escondida querendo executar a aparição pública da minha identidade exatamente porque não está perto o suficiente para usar a força física, e acaba partindo para a prática da coerção, da invisibilidade, esse alguém tem certamente problemas éticos, estéricos, paradigmáticos, fantasmagóricos, psicossomáticos e intestinais e se utiliza da violência simbólica com fins destrutivos de me executar no facebook para se sentir vivo (ou viva?).
Isso é uma piada?
Espero que sim, inclusive eu quero ter o direito de rir dessa piada. Se não for, atire em mim e seja feliz, mas atire para matar. Ou use o seu preconceito de forma reflexiva, estude, procure saber mais, não sobre mim especificamente (que eu mesma não valho lá muita coisa), mas procure saber mais sobre aquilo que você mais odeia em mim, se for o caso, continue me exterminando, mas preste atenção, esse tipo de felicidade que te venderam é uma mercadoria contrabandeada, não vale nada, não tem validade alguma no território nacional, da mesma forma que não se sustenta nem enquanto produto, uma vez que, quando quebra, não tem assistência técnica, não tem nem pra quem reclamar. Ah, sim, o problema talvez seja esse, não tem pra quem reclamar.
Então me ame, ou me mate, mas pô, aparece pra tomar um café, te dou atenção, faço cafuné e ainda prometo não contar nada a ninguém.

domingo, 11 de maio de 2014

Mulheres que não se deixam arrastar



Não vou recontar o episódio ocorrido no Rio de Janeiro com Cláudia, mas também não vou ocultar, porque sei que os silenciamentos abrigam multiplicações de violências e quero combatê-las, ou quem sabe, ao menos, tentar colaborar com o combate de toda essa barbárie genocida que infelizmente somos forçadas a conviver.
Forçadas a conviver não significa que somos obrigadas a aceitar, daí o desejo de sair ao cair do dia 09 de maio de 2014, éramos um bando de 5 mulheres , voamos até lá a bordo da Nave Thica, e lá haviam mais umas 10 mulheres. Pronto, agora estávamos em aproximadamente 15 pretas trocando abraços, tomando cervejas, comendo, sorrindo, gargalhando e falando muito.
Convergências. Um documentário está prestes a nascer, concebido em vários úteros.
#TodasCláudia

Teaser do documentário da ação "Todas Cláudia", proposta pelo núcleo feminino do Coletivo Casa Preta e em parceria com o coletivo Mulheres Líquidas e Projeto Azuelar, a partir das indignações geradas pelo caso Cláudia Silva Ferreira, moradora do Morro da Congonha (RJ), auxiliar de limpeza e que aos 38 anos foi assassinada e arrastada por uma viatura da Polícia Militar do Rio de Janeiro.

https://www.youtube.com/watch?v=3rhZl1ucqEA


Cláudia foi assassinada no dia 18 de março de 2014 e a ação "Todas Cláudia" foi iniciada em 29 de março de 2014.



domingo, 9 de março de 2014

Nkudiá Girl




Neofacistas ruborizados, gangsters midiáticos emudecidos e neopentecostais formalistas aflitos, arrumem as malas e saiam da sala: Nós de Aruanda chegou em sua segunda edição, e já somos cerca de 50 artistas de comunidades de terreiro em produção colaborativa e imaginação performativa atuante, e já estamos há milhares de anos aqui, as pessoas só não sabem porque estavam ocupados demais com os pré-socráticos fatalistas.
Chegamos em paz em meio ao conflito do terreno burguês habitual da arte no estado do Pará, e me arrisco solenemente a dizer que nossa paz é feita de batalhas, já que inserir e legitimar a produção poética de matriz africana no circuito artístico local não é tarefa pequena, pois o racismo, camarada, nem sempre olha a cor de sua pele, ou o seu cabelo,o racismo à moda brasileira, te sorri em caps lock na porta de entrada de sua casa, senta no sofá da sua sala e depois adentra os cômodos mais íntimos, revira sua gavetas, olha dentro das panelas, aperta a bisnaga do cerme dental, queima seu livros, amaldiçoa seus santos, vomita na tua roupa de ração, parte tuas guias, quebra teus discos e depois ainda tem a cara de pau de cagar na tua privada e não dá a discarga. É assim que eu me sinto, todas vezes que um grupo de brancos sorridentes olha minha pintura, me sorri e depois cospe nela.
Mas esse modelo de arte-indústria-cultura-doxa não sabe, não pensa e não imagina que está a alimentar um ninho de vespas quando condiciona os vermes pálidos norte-americanos e europeus ao sentido da arte, não, eles não conseguem ligar os pontos e formar a letra, fomos criados neste mesmo sistema de reclusão infame que ensina os moldes deles e esconde nosso saber, portanto, não sabem que eu sei oque eles sabem, mas eles... ah, eles não sabem oque eu sei!!!
Quando eu menciono a terceira porta, Nkudiá Girl, eu sei quem é essa moça com a galinha, e sei da importância que tem nesta cena para os nossos rituais, mas eles só sabem que ela é uma moça segurando uma galinha, Nkudiá deixa que eu sei... Inclusive, sei que garota é girl, desde a adolescência porque a mídia brasileira é burra burra e sabe falar mais o idioma Inglês do que qualquer outra coisa, e eu fui obrigada a aprender essa porcaria. Eu sei louvar a natureza quando boto meu pincel em ação, eles sabem demonizar a natureza mostrando ódio, repulsa e pavor.
Eu sei que meu corpo é sagrado e abriga muitas forças, eu sei pintar, a própria academia me mostrou que esse é um estilo de pintura da arte, dita universal, mas faço isso com o uso do meu corpo que é singular. Eu sei pintar em companhia de Mavambo, Oyá e Nkossi.
Eu não preciso odiar, já os conheço bem, sei bem do que são capazes completei minha tríade onde uma se banha, outra se abana e outra se vai, vira-se para trás mas não te olha, eu sei que o que ela viu vai impulsionar sua caminhada.
Eu não preciso odiar, preciso apenas continuar aprendendo. Eu sei que aprender é um ato revolucionário, nossas mães de santo nos ensinam isso diariamente.
Saravá!!!
Isabela do Lago.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Cabeça de vento sobre chão atmosférico

Perguntário:

Pense bem, meu bem: Por onde você andou quando tinha 15 anos de idade? Como agia em casa, ou com a compaheiragem de rua? E depois quando tornou-se mãe, certamente passou a ter outro com portamento, não ?
E agora oque faz? Como se planeja? E quando se sente angustiada, ou ameaçada, ou violada, perseguida ou de alguma forma contrariada? Como é?

Cataventário:


Olhe sua vida inteira, recorra ao mofo dos ábuns de família se necessário e perceberá que você é muito diferente de você em diversos momentos de vida, mesmo que você continue sendo você mesma. Assim é Oya, ou, assim são (imagino) a muitas Oyas espalhadas mundo afora.
Mulheres de Oya são tão diversas quanto são diversos os tempos atmosféricos, já as vi plenas, calmas e silenciosas como águas de um rio que oscila apenas entre a seca e a enchente, como uma brisa que que refresca e acaricia sua face, mas também conheço daquelas tão velozes que chegam a ser invisíveis na peleja diária, mas vemos os frutos do movimento em passagem, outras podem ser bruscas numa mudança repentina de direção (muda a direção, mas não o foco) como um tornado violento que pode arrancar os telhados das casas, derrubar árvores e mudar tudo de lugar partindo rumo a algo que não se sabe pra onde, não se vê oque é. Ser algo que não se vê e jamais será uma substância.

Agora, imagine isso tudo numa sociedade capitalista pra caralho e escravocrata pra porra (que o Brasil nunca deixou de ser), pense, nessas mulheres que tem literalmente cabeça de vento, e que são fadadas a ser criadas por mães complacentes, pais violentos e na sequência, “entregues” a maridos misóginos e/ou patrões cardiopatas. Pense que essas cabecinhas de vento são diariamente sufocadas, treinadas para abafar suas tempestades ao invés de superá-las, represar a mansidão dos rios, ocultar os fluxos elétricos e congelar as chuvas sem despejar, imagine, observe, ouça a natureza e saberá que essas partículças de gelo negativamente carregadas produzirão raios no caminho da tempestade que se acumula. Obstruída em seus caminhos, Iansã nos agita internamente através de um varal com lenços vermelhos estendidos vacilantes ao vento dentro de seu hipotálamo, conforme a intensidade do movimento no varal hipotálamico as oscilações vêm em em diversas escalas, podem ser arrepios aqui, cãimbras ali, tremores, espirros, surtos epiléticos em variadas intesidades, dentro de nós, ela persiste incansável, está sempre ali, nunca dorme.

Inventário:

Suponha que dentro de seu corpo tenha abrigo para uma minúscula fagulha desta senhora, pense novamente nas várias fases de sua vida em que precisou contê-la, há portanto, um estoque de fogo em seu coração, haverá uma história a partir daí, e seja lá quais forem os meandros e caminhos desta história, uma dia o seu peito se abrirá ao tempo e libertará sua outra voz incontrolável como um animal selvagem, uma voz de vôo gritará: ÊPA! HEYIIIII!!!
E o chão duro e frio sob teus pés será flúido, será invisível, atmosférico.
Isabela do Lago



sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Conferência Livre de Artes Visuais - Mulheres artistas de Belém e Região Metropolitana






De acordo com as orientações dispostas pelo regimento interno da 3ª CNC(http://www.cultura.gov.br/3cnc).
EU, Isabela do Lago artista visual e membro do colegiado nacional setorial de artes visuais, juntamente com as demais artistas, convocamos esta conferência livre para ampliar o debate dentro da Conferência Nacional.

Relembando que esta conferência livre não visa a eleição de delegadas, mas somente o surgimento de propostas e a mobilização da sociedade e portanto sua participação é importantíssima!

O regimento interno pode ser consultado na íntegra neste link:
http://www.cultura.gov.br/documents/17662/0/Di%C3%A1rio+Oficial+da+Uni%C3%A3o+-+17-04-13+p7-10.pdf/5ef08f22-db37-42c0-97f5-1bca5810f5e7

Data: 21 de Setembro de 2013
Hora: às 17 horas
Local: Praça do Horto Municipal de Belém

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

QUEREMOS PARIDADE NA POLÍTICA




Carta das Mulheres Brasileiras ao Congresso Nacional, (apresentada em audiência, ao Presidente da Câmara dos Deputados):

NÓS QUEREMOS PARIDADE NA POLÍTICA

Nós, povo brasileiro, fomos às ruas expressar as nossas insatisfações, o desejo de sermos ouvidas e de participarmos das decisões do país. Desde então, a Reforma do Sistema Político tornou-se uma urgência a ser enfrentada não apenas pelo Congresso Nacional, mas por toda a sociedade.

Nós, mulheres organizadas em diversos Movimentos Sociais exigimos condições paritárias de disputa eleitoral, fator indispensável para superar a exclusão política das mulheres e de vários segmentos sociais dos espaços da representação política. Nem todo o poder pode ser delegado, queremos exercê-lo diretamente. A democracia direta é uma urgência. O Congresso Nacional deve escutar a voz das ruas e regulamentar os mecanismos para a convocação de Plebiscito, Referendo e Iniciativa Popular de Lei.

Nós, mulheres, somos mais de 50% da população e menos de 10% do Congresso Nacional. Tamanho déficit democrático coloca o Brasil em penúltimo lugar no ranking latino americano e na centésima quinta posição no âmbito global, em termos de presença de mulheres no Parlamento. Isso é inaceitável! Além do vexame, da injustiça, este é um dos indicadores principais que impede o Brasil de atingir as Metas do Milênio. Também por isso, o Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres (CEDAW) das Nações Unidas recomendou ao Estado Brasileiro alterar sua legislação com vistas a aumentar a participação das mulheres na política.

Mais do que cotas, nós queremos mudanças nas condições de participação política das mulheres, da população negra, LGBT e demais setores populares que hoje estão sub-representados no parlamento.

Nós, mulheres, e em especial as mulheres negras e indígenas, estamos sub-representadas na política porque ainda vivemos numa sociedade patriarcal, racista e colonialista que perpetua desigualdades. Com as atuais regras que regem os processos eleitorais nós jamais teremos como competir em condições de igualdade. Entendemos que para ampliar a participação é preciso mudar as regras do jogo, que privilegiam algumas pessoas e excluem outras.

Queremos o fortalecimento dos partidos políticos, com democracia interna, transparência e respeito por suas militantes. Demandamos compromissos partidários com o princípio da paridade, tanto internamente como nos processos eleitorais, o que implica, entre outras medidas, listas de candidaturas com alternância paritária entre os sexos, garantia de divisão igualitária dos recursos financeiros e tempo na TV para as campanhas das mulheres, que hoje são relegadas a segundo plano pelas direções partidárias.

Hoje as eleições são definidas pelo peso do poder econômico e do marketing. A mercantilização das campanhas eleitorais é um caminho aberto para a corrupção, que apequena a democracia. Por isso, queremos mudanças que enfrentem o poder econômico, promovam a democratização e o acesso igualitário aos recursos no interior dos partidos.

Garantir a representação plural do povo brasileiro é fundamental para a democratização da democracia. Para além da representação, as mulheres querem ser ouvidas e decidir sobre as grandes questões que dizem respeito às nossas condições de vida, aos direitos humanos e aos bens comuns da humanidade.

PARIDADE JÁ! PARA GARANTIR A PARTICIPAÇÃO POPULAR