Isabela do Lago

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Belém, Pará - Amazônia, Brazil
A natureza da coisa arte em minha trajetória ocupou lugar no que se diz opção profissional, nem sei dizer nada a respeito de vocação pois nunca ouvi o tal "chamado". Por toda a minha vida tenho cercado o ato de produzir imagens, sejam elas desenhadas, pintadas, fotografadas, filmadas, dançadas, cantadas ou aquelas que figuram mundos internos nas almas imersas em situações nada concretas, a realidade vem a partir da leitura de quem se presta ao ato existir. Intuição, paixão e o nada me tocam neste viver o sentimento criativo desde que sinto coisas que não vejo e procuro transformá-las em algo visível e para que isto aconteça vivencio a criação no momento dela - e depois a esqueço.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

III - AS SEREIAS MARAJOARAS OU 2 COBRAS GRANDES E UMA FEITICEIRA EMUDECIDA


(cont...)Em “Cobra grande”, o grupo estava ainda no início, quando um conjunto de oficinas, dentre elas, roteiro e produção, teatro de máscaras e outras aconteciam quase que simultaneamente. Pegando sequência no documental “Festa da cobra”, em julho de 2009, decidimos falar sobre a perda da educação popular através da oralidade, o mito da cobra-grande, apareceu naturalmente numa entrevista com o Senhor Ilário, que é um respeitado pajé local que nos falou sobre a Sucuriju, uma entidade da pajelança, que segundo ele foi uma princesa encantada por uma cobra-grande na antiga fazenda “Sossego”. Conversando com o grupo, percebi que havia certa repulsa em falar sobre o assunto, uns por motivos religiosos, outros por simplesmente desconhecer, e até por medo do sobrenatural aquele era o momento decisivo, era o ponto nevrálgico de nosso trabalho que queríamos mais que tudo abordar o distanciamento da juventude do conhecimento tradicional e queríamos fazer isto usando o teatro de máscaras, e mais, queríamos isto num formato de vídeo. Assim, o relato do pajé orientou a construção de nosso roteiro, que como num quebra-cabeças, procuramos pensar cenas em que houvesse a representação desta desterritorialização da juventude marajoara.
De minha parte, na hora de compor as cenas, propus o processo de construção das máscaras, como fator de imersão materializada das personas.
A gestualidade dos atores e atrizes é praticamente robotizada, limitam-se por mover a cabeça para a direita e esquerda sob o comando de um personagem, e tiram e colocam a máscara, revelando o rosto limpo, sendo, neste jogo de personas uma junção de personagens míticos e não míticos, misturando o jogo do narrador, sendo a princesa encantada uma das personagens tidas como “gente nossa” ou “viva”. Foi simbolismo convencionado entre nós, a cena final, onde a única personagem que se movimenta dançando carimbo, queima a saia diante do olhar imóvel dos outros, queimar esta saia foi um ato de expressar este mal-estar diante do fato cultural.
Em “Quem calou a língua da feiticeira...” o questionamento continua sendo o mesmo, desta vez, houve um emaranhado ainda maior a ser solucionado, pois, não estávamos diante da narrativa oral do imaginário marajoara a ser traduzida em imagem, e sim da adaptação literária de um texto que fala da perda desta oralidade, a poesia da poesia de outra poesia aconteceu com aporte da dramaturgia e da composição de quadros, além do mais, neste caso, o roteiro já estava praticamente escrito pelas mãos de Dalcídio, e seguir este roteiro dalcidiano foi um profundo mergulho no mar, o grupo já mais maduro teve a adesão de novos e novas artistas, que certamente contribuíram muito para a montagem deste quebra-cabeças.
Sendo o cinema uma arte que se alimenta de outras artes, e absolutamente autônoma a existência do objeto filme, a dramaturgia junto a experiência de vida de cada um de nós foram peças fundamentais para a execução desta obra, pois o aparato teórico-expressivo fundamentou-se na literatura dalcidiana passando pelo teatro do oprimido e no método de imersão de cena segundo a proposta de Stanislavski, em o ponto médio entre o olho da câmera e o corpo em cena. Sem diálogos orais, mas não mudo, pois, a marca maior do histórico de opressão que o povo marajoara sofre ao longo dos tempos só pode se esxpressar pelo silêncio, restando-nos apenas a eloqüência dos códigos da arte cinematográfica, juntos solidários e colaborativos fizemos mais esta sereia marajoara, inicialmente mágica, mítica e fantástica que canta um canto lamentoso e chama a entrar no mar da exclusão sócio-cultural, neste mar, nadam a sedução da tecnologia e o olhar trágico de jovens artistas.

*:)Bela do Lago

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