Isabela do Lago

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Belém, Pará - Amazônia, Brazil
A natureza da coisa arte em minha trajetória ocupou lugar no que se diz opção profissional, nem sei dizer nada a respeito de vocação pois nunca ouvi o tal "chamado". Por toda a minha vida tenho cercado o ato de produzir imagens, sejam elas desenhadas, pintadas, fotografadas, filmadas, dançadas, cantadas ou aquelas que figuram mundos internos nas almas imersas em situações nada concretas, a realidade vem a partir da leitura de quem se presta ao ato existir. Intuição, paixão e o nada me tocam neste viver o sentimento criativo desde que sinto coisas que não vejo e procuro transformá-las em algo visível e para que isto aconteça vivencio a criação no momento dela - e depois a esqueço.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Cabeça de vento sobre chão atmosférico

Perguntário:

Pense bem, meu bem: Por onde você andou quando tinha 15 anos de idade? Como agia em casa, ou com a compaheiragem de rua? E depois quando tornou-se mãe, certamente passou a ter outro com portamento, não ?
E agora oque faz? Como se planeja? E quando se sente angustiada, ou ameaçada, ou violada, perseguida ou de alguma forma contrariada? Como é?

Cataventário:


Olhe sua vida inteira, recorra ao mofo dos ábuns de família se necessário e perceberá que você é muito diferente de você em diversos momentos de vida, mesmo que você continue sendo você mesma. Assim é Oya, ou, assim são (imagino) a muitas Oyas espalhadas mundo afora.
Mulheres de Oya são tão diversas quanto são diversos os tempos atmosféricos, já as vi plenas, calmas e silenciosas como águas de um rio que oscila apenas entre a seca e a enchente, como uma brisa que que refresca e acaricia sua face, mas também conheço daquelas tão velozes que chegam a ser invisíveis na peleja diária, mas vemos os frutos do movimento em passagem, outras podem ser bruscas numa mudança repentina de direção (muda a direção, mas não o foco) como um tornado violento que pode arrancar os telhados das casas, derrubar árvores e mudar tudo de lugar partindo rumo a algo que não se sabe pra onde, não se vê oque é. Ser algo que não se vê e jamais será uma substância.

Agora, imagine isso tudo numa sociedade capitalista pra caralho e escravocrata pra porra (que o Brasil nunca deixou de ser), pense, nessas mulheres que tem literalmente cabeça de vento, e que são fadadas a ser criadas por mães complacentes, pais violentos e na sequência, “entregues” a maridos misóginos e/ou patrões cardiopatas. Pense que essas cabecinhas de vento são diariamente sufocadas, treinadas para abafar suas tempestades ao invés de superá-las, represar a mansidão dos rios, ocultar os fluxos elétricos e congelar as chuvas sem despejar, imagine, observe, ouça a natureza e saberá que essas partículças de gelo negativamente carregadas produzirão raios no caminho da tempestade que se acumula. Obstruída em seus caminhos, Iansã nos agita internamente através de um varal com lenços vermelhos estendidos vacilantes ao vento dentro de seu hipotálamo, conforme a intensidade do movimento no varal hipotálamico as oscilações vêm em em diversas escalas, podem ser arrepios aqui, cãimbras ali, tremores, espirros, surtos epiléticos em variadas intesidades, dentro de nós, ela persiste incansável, está sempre ali, nunca dorme.

Inventário:

Suponha que dentro de seu corpo tenha abrigo para uma minúscula fagulha desta senhora, pense novamente nas várias fases de sua vida em que precisou contê-la, há portanto, um estoque de fogo em seu coração, haverá uma história a partir daí, e seja lá quais forem os meandros e caminhos desta história, uma dia o seu peito se abrirá ao tempo e libertará sua outra voz incontrolável como um animal selvagem, uma voz de vôo gritará: ÊPA! HEYIIIII!!!
E o chão duro e frio sob teus pés será flúido, será invisível, atmosférico.
Isabela do Lago



sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Conferência Livre de Artes Visuais - Mulheres artistas de Belém e Região Metropolitana






De acordo com as orientações dispostas pelo regimento interno da 3ª CNC(http://www.cultura.gov.br/3cnc).
EU, Isabela do Lago artista visual e membro do colegiado nacional setorial de artes visuais, juntamente com as demais artistas, convocamos esta conferência livre para ampliar o debate dentro da Conferência Nacional.

Relembando que esta conferência livre não visa a eleição de delegadas, mas somente o surgimento de propostas e a mobilização da sociedade e portanto sua participação é importantíssima!

O regimento interno pode ser consultado na íntegra neste link:
http://www.cultura.gov.br/documents/17662/0/Di%C3%A1rio+Oficial+da+Uni%C3%A3o+-+17-04-13+p7-10.pdf/5ef08f22-db37-42c0-97f5-1bca5810f5e7

Data: 21 de Setembro de 2013
Hora: às 17 horas
Local: Praça do Horto Municipal de Belém

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

QUEREMOS PARIDADE NA POLÍTICA




Carta das Mulheres Brasileiras ao Congresso Nacional, (apresentada em audiência, ao Presidente da Câmara dos Deputados):

NÓS QUEREMOS PARIDADE NA POLÍTICA

Nós, povo brasileiro, fomos às ruas expressar as nossas insatisfações, o desejo de sermos ouvidas e de participarmos das decisões do país. Desde então, a Reforma do Sistema Político tornou-se uma urgência a ser enfrentada não apenas pelo Congresso Nacional, mas por toda a sociedade.

Nós, mulheres organizadas em diversos Movimentos Sociais exigimos condições paritárias de disputa eleitoral, fator indispensável para superar a exclusão política das mulheres e de vários segmentos sociais dos espaços da representação política. Nem todo o poder pode ser delegado, queremos exercê-lo diretamente. A democracia direta é uma urgência. O Congresso Nacional deve escutar a voz das ruas e regulamentar os mecanismos para a convocação de Plebiscito, Referendo e Iniciativa Popular de Lei.

Nós, mulheres, somos mais de 50% da população e menos de 10% do Congresso Nacional. Tamanho déficit democrático coloca o Brasil em penúltimo lugar no ranking latino americano e na centésima quinta posição no âmbito global, em termos de presença de mulheres no Parlamento. Isso é inaceitável! Além do vexame, da injustiça, este é um dos indicadores principais que impede o Brasil de atingir as Metas do Milênio. Também por isso, o Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres (CEDAW) das Nações Unidas recomendou ao Estado Brasileiro alterar sua legislação com vistas a aumentar a participação das mulheres na política.

Mais do que cotas, nós queremos mudanças nas condições de participação política das mulheres, da população negra, LGBT e demais setores populares que hoje estão sub-representados no parlamento.

Nós, mulheres, e em especial as mulheres negras e indígenas, estamos sub-representadas na política porque ainda vivemos numa sociedade patriarcal, racista e colonialista que perpetua desigualdades. Com as atuais regras que regem os processos eleitorais nós jamais teremos como competir em condições de igualdade. Entendemos que para ampliar a participação é preciso mudar as regras do jogo, que privilegiam algumas pessoas e excluem outras.

Queremos o fortalecimento dos partidos políticos, com democracia interna, transparência e respeito por suas militantes. Demandamos compromissos partidários com o princípio da paridade, tanto internamente como nos processos eleitorais, o que implica, entre outras medidas, listas de candidaturas com alternância paritária entre os sexos, garantia de divisão igualitária dos recursos financeiros e tempo na TV para as campanhas das mulheres, que hoje são relegadas a segundo plano pelas direções partidárias.

Hoje as eleições são definidas pelo peso do poder econômico e do marketing. A mercantilização das campanhas eleitorais é um caminho aberto para a corrupção, que apequena a democracia. Por isso, queremos mudanças que enfrentem o poder econômico, promovam a democratização e o acesso igualitário aos recursos no interior dos partidos.

Garantir a representação plural do povo brasileiro é fundamental para a democratização da democracia. Para além da representação, as mulheres querem ser ouvidas e decidir sobre as grandes questões que dizem respeito às nossas condições de vida, aos direitos humanos e aos bens comuns da humanidade.

PARIDADE JÁ! PARA GARANTIR A PARTICIPAÇÃO POPULAR

segunda-feira, 11 de março de 2013

POR NÓS MUITOS AQUI



Antes pergunto-me algo: qual é o papel do macho branco direitista do alto do topo da hierarquia institucional na produção de arte contemporânea? A instituição que institua, aos papéis, carimbos e assinaturas. A questão aqui é metafísica, ancestral e artística, a mim cabe a legítima felação memorial.

Não vou mentir nem enfeitar, há uns quantos dias andei por aí com um chamado dentro das oiças, ou era dentro do coração? É difícil explicar como certas coisas sopradas em brisas intuitivas, num instante viram um temporal, porque mulheres como eu, vindas de gerações e gerações de mulheres miseráveis pretas e pardas fomos acostumadas a sistematizar e aceitar documentações formais, não sei se me faço entender. Espero que ninguém entenda mesmo, mas eu não ouvia nem via, eu sentia um chamado longe que vinha de dentro de mim.

Em meio a toda euforia do vernissage da exposição “Nós de Aruanda”, ali no meio mesmo da festa, sem querer, ou mesmo querendo, Hanavalona veio posar pra uma foto comigo e passando uma das mãos no meu ombro, falou assim de um jeito muito firme: “vamos fazer um 'v' de vitória, porque afinal conseguimos não é?”

Ela nem imagina que gelou meu espinhaço naquela hora, tudo na minha frente desapareceu, apenas uma imagem me acontecia, a imagem desta fotografia de minha bisavó, Lila, eu desde criança vejo esse gesto dela como um mero charme ou gracejo, mas agora entendi, Dona Lila, era o 'V' de vitória que Hanavalona me pedia, bem, tudo na vida é vivência. Experimenta, tudo é experiência – isso precisa ser aceito por nós no momento do desatar desses nós.

Eu mergulhei nesse chamado surdo e sem voz e me danei a refletir por estes dias, tudo se mistura dentro de mim deixando esse rastro de guimbas e fuligem, de tanta coisa que já se queimou por aqui por essas paragens, como o fogo e o papel na ”mandinga”, instalação de arte oracular de Kátia Haadad só que eu não estava numa onda de futurar, e sim de passadear, era sim, eu tava mais perto do “te lembra do teu nome de caboco?” com essa pressão mesma da memória afetiva de Jurema que homenageava Pai Caduca. Tava mais pra lá do que pra cá, imersa em tanta coisa que tava ali na montagem, que não eu era eu, mas que era meu. Ou melhor, era eu sim, tem eus espalhados em cada detalhe daquela exposição, e tudo se encaixou como uma luva, aquelas obras dizem muito mais de mim do que minhas próprias pinturas.

Noutra ocasião já expus sobre a vida de meus avós paternos, vô Edmundo – curandeiro e parteiro do Piauí, vô Aldenora, que ninguém nunca descobriu sua terra de nascença, chamavam-na de velha Turca, porque quando encontrada na estrada das Contendas, tinha menos de 6 anos, estava quase morta, era branca, nariguda, de olhos azuis e falava uma língua muitíssimo estranha, depois ela passou a falar a língua portuguesa do Piauí, foi gentilmente criada por uma família que a adotou, ali mesmo em Santa Bárbara das Contendas, terra de quilombo em Cocal no sertão do Piauí. Agora penso em Lila, com tanto amor quanto penso em minha própria filha, a história de Lila (ela só passou a ter registro e sobrenome depois de casada, antes ela era apenas Lila, ou nêga Lila) essa memória me chama.

Mas porque isso? Pra que invocar tanto essa gente morta? Acho que Lila nunca morreu, ela encontrou Aruanda... é ela que me chama com esse 'V' de vitória há quase 200 anos, não sei contar direito esse tempo. Sei que ela nasceu do bucho de uma velha escrava no Rio Grande do Norte e simplesmente saiu sozinha andando pelo mundo aos 12 anos de idade, ninguém sabe contar muitos detalhes da história dela, nem ela sabia exatamente onde ia, sabemos que ela queria ir pra algum lugar bem longe das surras, longe da violação sexual, longe da fome, um lugar mágico com uma casa pra morar onde se pudesse dormir com a chegada da lua e despertar com o raiar do sol.

Ela chegou aqui em Belém já adulta, casou-se com um cearense, ocuparam um terreno e ali plantaram e colheram por toda a vida, ela pariu 8 pessoas, ajudou a cuidar as netas, dentre elas, minha mãe e minha tia Alcina, a quem repassou o conhecimento que sua mãe também havia lhe repassado.

Lila faleceu perto dos 90 anos de idade, gostava muito de festas, batuques e folias, já muito velha não conseguia mais dançar mas se conformava “a modi que serená a festa”. Certa noite contra a vontade do marido, a danada esperou todos adormecerem e saiu madrugada adentro cortando o matagal, mais uma vez, errante e sozinha em busca de algo, ela saiu do barracão dela que ficava ali pelo bairro do CDP em direção à Avenida Dalva, na Marambaia, naquele tempo não havia estrada, tudo era matagal, no caminho arriou um toró e Lila caiu num igarapé (onde hoje é o canal do São Joaquim, pertinho aqui onde eu moro, eu carinhosamente chamo Rio Lila) a correnteza foi mais forte e dali só encontraram seu corpo uns dois dias depois.

Todos tem uma história pra palmilhar a cidade onde vive, essa é a minha história. Se abandonarmos por vez a oficialidade, podemos sim rebatizar simbolicamente essa Belém, o jogo de afirmação cultural que permeia a existência através da arte, é o jogo da relação empírica com o lugar, nem de longe pode ser confundido com qualquer tipo de ofensiva ou discurso de ódio. Será que só por não reafirmar a história branca já pressupõe um gesto violento?

Há de fato por aí, uma meia dúzia de artista meia boca de meia tigela bancando a cena de altos cargos na gestão cultural que não conseguem pescar nadinha de arte, nadinha da cultura popular do próprio povo que representa, come açaí com tapioca e arrota estrogonofe de contra-filé, mas não tem um pinguinho assim de paciência para o pensamento contraproducente decente contemporâneo. Acha que tudo tem que ser limpo, alvo e liso e não se permite meter o dedo mindinho numa fímbria sequer das camadas mais populares, essa gente, é arrogante, sorridente e preconceituosa, corresponde-se conosco por intermédio de ordens ditatorias de censura, mas na hora de deliberar cadê que tem culhão pra assinar documento?

Refiro-me diretamente a intenção de censurar a exposição do registro de ação poética de Arthur Leandro no elevado Daniel Berg, que rebatizou-o como Elevado Exu de mãe Celina. Quem não se permite ter no currículo sequer um “modi que serená a festa” jamais vai se deixar compreender esse tipo de atitude, e isso pra um gestor cultural não é bom nem mal, é péssimo, vergonhoso e criminoso.

Mas aí, óh, deixa pra lá a culpa é de quem não explicou direito, foi um mal entendido, é melhor assinar o atestado de inteligência medíocre do que ter de assinar documento de censura, sim porque atentar contra liberdade de expressão artística é crime. Mas não, por favor, abafe o caso, tudo foi problema de interpretação. Interpretar é criar imagem, e quem cria tem imaginação, o diabo é aceitar esse tipo de imaginação maldosa e preconceituosa, aceitar e deixar rolar, ou simplesmente colocar a culpa do erro nas costas de uma outra pessoa, e aí vai, deixa assim o erudito pelo não dito e sempre quem leva o tombo é a cultura preta, sim já que o problema foi de in- ter preta-ação, assim literalmente, ter ação de preto in institucionalidade dá mesmo problema, inclusive quando se fala na figura de Exu, com esse histórico demonização deste orixá pelo povo cristão através de séculos.

Exu não adormece, ele percorre ligeiro e astuto de um lado a outro, instaura o conflito no momento exato em que um nó da percepção precise ser desatado, até que você possa por fim perceber. Percebeu? Tá tudo aí, tudo há, somos plurais, exatamente como evoca a obra de Rodrigo Barros, os caminhos agora estão abertos “siga”.

Isabela do Lago, bisneta de Lila e coordenadora de montagem da Exposição "Nós de Aruanda-artistas de terreiro"



quarta-feira, 6 de março de 2013

Nós de Aruanda - Artistas de Terreiro

fotografia de Samantha Silva & Tatyane Silva Seria uma galeria de artes visuais um espaço de branco? E perguntamos se seria desse branco que é um 'branco' que ao mesmo tempo dá o sentido ao pálido da pessoa e ao significado político da palavra. A pergunta é necessária, pois esta exposição é uma homenagem, uma celebração à memória da luta de Dona Rosa Viveiros, ou Nochê Navanakoly, ou Mãe Doca, negra mulher e maranhense de Codó, que apenas três anos após a abolição da escravatura enfrentou o racismo, preconceitos da época e inaugurou seu Terreiro de Tambor de Mina na capital paraense. A partir dos 18 de março de 1891 ela foi presa várias vezes porque tocava tambores e cultuava as divindades africanas com as quais preservava as tradições de matriz afro-amazônica, e nem por isso desistiu de manter aberto o terreiro que dava lugar à manutenção das tradições de sua origem negra africana. A consciência negra foi o que motivou Mãe Doca a enfrentar os desmandos da polícia e o poder constituído em alicerces racistas e discriminatórios. Aruanda é uma referência ao porto de São Paulo de Luanda, lugar de onde partiam os negros sequestrados e trazidos ao Brasil na condição de escravos, e a referência que ficou na memória coletiva como o lugar onde se encontraria novamente a liberdade que vinha com as lembranças do continente de origem. Luanda, Aluanda, Aruanda, o Tempo, que é divindade de Angola (do mesmo porto de Luanda), muda a palavra e muda também a semântica, e de uma referência geopolítica, Aruanda persiste hoje no imaginário afro-brasileiro como uma espécie de paraíso que habita cantigas de brincadeiras de roda, jogos de capoeira, rezas e cantos religiosos, as manifestações de cultura popular e outras situações em que os povos negros têm importância na construção da cosmologia do lugar e do seu povo. ”Nós de Aruanda – artistas de terreiro” dá título para a exposição e brinca com os sentidos que essa expressão pode ter: de quem, ou de quais nós, nós estamos falando, quem somos nós? Talvez o que queiramos seja nos debruçar sobre esses enlaces emaranhados desses nós que, ao fim, se traduz na busca por conhecer esse rico universo numa perspectiva diferenciada: a produção poética e os estudos universitários como ferramentas para conhecer, descobrir, divulgar e defender a riqueza das culturas tradicionais de matrizes africana e suas correlações com as muitas Áfricas que (re)inventamos no Brasil, com esta exposição também celebramos o 18 de março da primeira resistência à prisão, celebramos Mãe Doca e toda a resistência dos povos de terreiros no Pará. Pode ser que agora, no século XXI, tanto a capital paraense quanto as artes visuais sejam sim um espaço legítimo de ocupação do 'negrume' amazônida, mas também é latente que, assim como os terreiros nos espaços públicos, ainda é invisível a produção artística paraense que coloque em evidência as questões sócio-culturais desse mesmo “ser afro-amazônico”. O que apresentamos nesta coletiva são práticas artísticas do cotidiano das culturas da diáspora que recriam algumas dessas diversas Áfricas amazônicas, apontam para a pluralidade de entendimentos sobre a arte e que em comum trazem um forte viés emotivo baseado na coletividade, no cotidiano dos terreiros, nas lutas políticas por direitos de cidadania, na política afirmativa, nas práticas ritualísticas, na memória afetiva e na memória de vida como elementos essenciais para a construção de mundo que resulta na poética desses artistas, assim como para a compreensão teórica para a construção dos paradigmas estéticos afro-amazônicos - uma futura estética que tem a potência da estética diversificada e construída pela experiência plural negra e brasileira nesta região, e que indica vínculos a elementos socioculturais africanos e amazônidas. Belém/PA, março de 2013. Grupo de Estudos e Pesquisa Roda de Axé. Serviço:Nós de Aruanda- Artistas de Terreiro” Abertura da Exposição: dia 08 de Março das 19 às 22:00 horas. Galeria Theodoro Braga – Centur. Visitação: de 11 a 22 de março 2013. 14 de março, quinta - 16h sessão de cineclube; das 17:30 as 19h performance musical de Mãe Rita ; 19h Roda de conversa com os artistas e pesquisadores envolvidos no projeto. Pauta: Processos criativos nas comunidades de terreiro. (OBS, neste dia está prevista sessão solene pra povos de terreiro na ALEPA, previsto para as 9h da manhã). Contatos: Lideranças de Terreiro/artistas: - Mametu Nangetu – 8806 73 51 / 32267599; - Kátia Haadad – 88223937/82206238; - Katia Jurema Sousa – 88840453; - Ysa Mota – 83029044; - Samanta Silva – 8056 72 63; - Alex Leovan - 4009-3263 ou 8155-8366; - Rodrigo Ethnos – 8265 12 69; - Tata Kinambogi (Arthur Leandro)- 9933 30 77. Pesquisadores/ coordenação: - Hanavalona Falayola – 8168 62 52 - Isabela do Lago – 8310 48 38 - Hirley Muriel – 87187207;

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Os muitos nós de Aruanda

Certa vez um camarada artista me encontrou em Brasília e mostrou-se surpreso em me ver junto aos delegados e delegadas da setorial de artes visuais, eu não entendi muito bem o espanto dele... travamos um debate ali mesmo nos corredores. Ora, se fosse alguém de outra cidade, vá lá, mas um camarada de Belém do Pará duvidar assim da minha artistagem? Tudo bem, não sou assim tão conhecida nesta terra, mas eu havia acabado de fazer um verdadeiro fuzuê na Galeria Theodoro Braga com a exposição “mulheres líquidas” e este dito camarada estava por lá que eu vi, então, qual foi o problema? Fiquei assim duvidosa até que ele me perguntou: “E o teu turbante?” eu Disse: “Hã?” ele prosseguiu finalmente: “Tu não usas turbante por algum motivo especial? Eu achei que tu eras lá da setorial dos pretos porque tu andas sempre com aquelas senhoras de turbante, não te vi no meio dos artistas...” Ora, o sangue ferveu por dentro dos meus córneos, então o turbante seria um artefato-dispositivo-definitivo-entrave da artistagem da pessoa? Esse camarada tava querendo dizer que Mãe Beth e Mametu Nangetu senhoras pretas enturbantadas não poderiam ser artistas? Ou que na setorial dos pretos não tem artistas? Ou? Ou isto é mais um dos muitos nós de Aruanda a ser desatado? (e o cara continuou falando coisas que já eu não ouvia enquanto essas questões queimavam dentro de mim, mas eu olhava pra ele como se tivesse entendendo e eu concordava. Concordava mas não ouvia ele porque eu ouvia uma outra voz me desafiando a respondê-lo que era a minha voz, mas não, não era a minha voz, ou era?). Foi quando eu levantei o queixo, olhei no olho dele e disse (dessa vez com a minha voz, tenho certeza): “Espera, fulano (nem convém dizer o nome do increu) onde foi que tu aprendeste a separar o mundo desse jeito? Tu com certeza não é artista né, e se artista é, quem foi que te deu esse título? (a voz me dizia “tur-ban-te, tur-ban-te, turrr-baaan-teee ”, eu já tava ficando puta com a voz, tava já atrapalhando meu raciocínio), o sujeito ficou branco, branco mesmo no sentido pálido da pessoa e também branco no sentido político da palavra, fez cara de mau, mas eu já tava atuada, mandei a voz se foder, sacudi a cabeça arrumei o cabelo e cravejei: “Se eu ando com ou sem turbante na minha cabeça, ou se eu ando com gente que usa turbante, isso não te importa, mas tu se não sabia antes, saiba agora, eu me chamo Isabela, camarada! Eu sou Isabela do Lago eu sou artista, cineclubista, educadora e lutadora e sou tudo que quero ser, porque sou líquida e estou aqui nesta setorial branca justamente porque não suporto mais esse tipo de artista que estigmatiza, lá na nossa terra a gente não tá precisando limar ninguém, pelo contrário, mal tu sabes que é justamente lá, na setorial preta, se te deres ao trabalho de ir e procurar vais encontrar o verdadeiro sentido da arte. Eu ando sim com essas senhoras porque elas são minhas amigas, companheiras, com elas me sinto acolhida, e além do mais enquanto vocês me julgavam ao longe eu os procurava, fizeram a reunião sem minha presença e tudo a julgar pelo turbante?” Eu nem vou continuar com esse relato, pra mim vale mais a pena desatar nós e continuar relatando a vivência com artistas de terreiro, o primeiro encontro ocorreu dia 15 de de fevereiro na UFPA, estamos unidos em articulação curatorial com pesquisadores de religiões Afro-amazônicas e artistas pertencentes à comunidades de povos tradicionais de terreiros, vencendo as barreiras brancas do circuito artístico de Belém, e aguardem, porque a galera do turbante, tem visão oracular pra lá de pós-moderna, eu diria, inclusive, embreante, esse trabalho ainda vai despertar muitas vozes interiores. Aruanda é um lugar embreante? (essa questão fica pro próximo texto). Axé! Isabela do Lago.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

solve et coagula A Alquimia é uma ciência com origens na alta antiguidade, e foi muito difundida na Idade Média. Os caras – alquimistas juravam que eram donos de conhecimentos como a religião, medicina, magia, metalurgia e de outras ciências que hoje conhecemos separadamente, mas não sacavam nada de CARNAVAL. Tá bem... vamos lá, vou me fazer entender melhor... Um dos principais objetivos dos mestres alquímicos era transformar o chumbo em ouro daí a origem do termo em latim solve et coagula e é evidente que isso não pode ser entendido de forma literal. Como eram detentores de vasto conhecimento em uma sociedade em que a grande maioria das pessoas era iletrada, bem sabiam que a sabedoria tem um poder transformador. Agora pare! Pegue no bum-bum e pegue no compasso, meu bem, vamos tramar um fio de pensamento que nos faça solver o solve do solve et coagula e deglutir o coagula com mais gula: traduzindo, fica algo como "desmontar", "separar" e "juntar" ou "unir". Ou seja, solve et coagula não é só um princípio básico das transformações dos metais e da química, mas um princípio da própria transmutação da natureza do homem através do conhecimento. E foi exatamente isso que fiz pra finalmente, em 35 anos anos de existência conhecer o carnaval – porque conhecimento pra mim, é vivência, experiência direta, a ciência só vem pra enfeitar o pavão. Me lancei ao convite de sair de destaque num carro da Embaixada do Império Pedreirense, com enredo abordando Ver-o-peso, esse carro tinha de tudo, como tem de tudo o ver- o -peso, na missão proposta, falar de magia de cultura popular das ervas que curam e trazem sorte (leia isso cantando, por favor!), criar em mim a personagem de Dona Erundina, junto as irmãs turcas encantadas (Mariana e Jarina), isso chegou perto de mim, de minha história dos meus quereres, isso é resistência popular, ôpa já gostei, topei na hora. Sem grana, como sempre fui recolhendo objetos de outros carnavais de outras pessoas, uma cabeça de uma prima, e uma roupa de ritual do terreiro de minha tia – a roupa era de fato usada pra receber Dona Erundina, guardada num baú com outras vestes ritualísticas tinha o cheiro mesmo da defumação, dos banhos de ervas e... bastante rasgada, usadíssima. Já a cabeça não combinava com nada, daí apliquei diretamente o solve et coagula naquilo tudo e me mandei pra avenida... nossa... que experiência fantástica!!!! O carnaval de rua é ouro do povo, tanta luta, tanto brilho, bateu mesmo fundo no meu coração, me dilui completamente, certamente eu não fui a única a solver et coagular, inclusive porque não há recursos pro carnaval paraoara, as escolas são pobres, feitas por sábios e sábias alquimistas de periferia, concluo o pensamento: daqui há pouco vai entrar na avenida Marquês de Sapucaí uma escola de samba falando do estado do Pará, e vai entrar rica e linda, inclusive porque tod@s sabemos que o governo de merda desse estado, tem bases hipócritas, clientelistas e porcamente elitistas. Isso é jogar sujo com a identidade popular, isso é jogar sujo com a expressão da cultura negra brasileira, isso é estratégia de opressão no mais alto nível de corrupção pega-se todo o trabalho de transformar o chumbo em ouro, rouba este ouro e o transforma em pó e sai espalhando por aí indevidamente até que perca totalmente o valor. É isso aí, Império Pedreirense, você entrou na minha vida no momento certo, seguirei pro resto dos meus dias compartilhando desta magia. Simão Jatene, não me toque, não me bula que eu danço na ponta da agulha. Isabela do Lago.