Isabela do Lago

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Belém, Pará - Amazônia, Brazil
A natureza da coisa arte em minha trajetória ocupou lugar no que se diz opção profissional, nem sei dizer nada a respeito de vocação pois nunca ouvi o tal "chamado". Por toda a minha vida tenho cercado o ato de produzir imagens, sejam elas desenhadas, pintadas, fotografadas, filmadas, dançadas, cantadas ou aquelas que figuram mundos internos nas almas imersas em situações nada concretas, a realidade vem a partir da leitura de quem se presta ao ato existir. Intuição, paixão e o nada me tocam neste viver o sentimento criativo desde que sinto coisas que não vejo e procuro transformá-las em algo visível e para que isto aconteça vivencio a criação no momento dela - e depois a esqueço.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Os muitos nós de Aruanda

Certa vez um camarada artista me encontrou em Brasília e mostrou-se surpreso em me ver junto aos delegados e delegadas da setorial de artes visuais, eu não entendi muito bem o espanto dele... travamos um debate ali mesmo nos corredores. Ora, se fosse alguém de outra cidade, vá lá, mas um camarada de Belém do Pará duvidar assim da minha artistagem? Tudo bem, não sou assim tão conhecida nesta terra, mas eu havia acabado de fazer um verdadeiro fuzuê na Galeria Theodoro Braga com a exposição “mulheres líquidas” e este dito camarada estava por lá que eu vi, então, qual foi o problema? Fiquei assim duvidosa até que ele me perguntou: “E o teu turbante?” eu Disse: “Hã?” ele prosseguiu finalmente: “Tu não usas turbante por algum motivo especial? Eu achei que tu eras lá da setorial dos pretos porque tu andas sempre com aquelas senhoras de turbante, não te vi no meio dos artistas...” Ora, o sangue ferveu por dentro dos meus córneos, então o turbante seria um artefato-dispositivo-definitivo-entrave da artistagem da pessoa? Esse camarada tava querendo dizer que Mãe Beth e Mametu Nangetu senhoras pretas enturbantadas não poderiam ser artistas? Ou que na setorial dos pretos não tem artistas? Ou? Ou isto é mais um dos muitos nós de Aruanda a ser desatado? (e o cara continuou falando coisas que já eu não ouvia enquanto essas questões queimavam dentro de mim, mas eu olhava pra ele como se tivesse entendendo e eu concordava. Concordava mas não ouvia ele porque eu ouvia uma outra voz me desafiando a respondê-lo que era a minha voz, mas não, não era a minha voz, ou era?). Foi quando eu levantei o queixo, olhei no olho dele e disse (dessa vez com a minha voz, tenho certeza): “Espera, fulano (nem convém dizer o nome do increu) onde foi que tu aprendeste a separar o mundo desse jeito? Tu com certeza não é artista né, e se artista é, quem foi que te deu esse título? (a voz me dizia “tur-ban-te, tur-ban-te, turrr-baaan-teee ”, eu já tava ficando puta com a voz, tava já atrapalhando meu raciocínio), o sujeito ficou branco, branco mesmo no sentido pálido da pessoa e também branco no sentido político da palavra, fez cara de mau, mas eu já tava atuada, mandei a voz se foder, sacudi a cabeça arrumei o cabelo e cravejei: “Se eu ando com ou sem turbante na minha cabeça, ou se eu ando com gente que usa turbante, isso não te importa, mas tu se não sabia antes, saiba agora, eu me chamo Isabela, camarada! Eu sou Isabela do Lago eu sou artista, cineclubista, educadora e lutadora e sou tudo que quero ser, porque sou líquida e estou aqui nesta setorial branca justamente porque não suporto mais esse tipo de artista que estigmatiza, lá na nossa terra a gente não tá precisando limar ninguém, pelo contrário, mal tu sabes que é justamente lá, na setorial preta, se te deres ao trabalho de ir e procurar vais encontrar o verdadeiro sentido da arte. Eu ando sim com essas senhoras porque elas são minhas amigas, companheiras, com elas me sinto acolhida, e além do mais enquanto vocês me julgavam ao longe eu os procurava, fizeram a reunião sem minha presença e tudo a julgar pelo turbante?” Eu nem vou continuar com esse relato, pra mim vale mais a pena desatar nós e continuar relatando a vivência com artistas de terreiro, o primeiro encontro ocorreu dia 15 de de fevereiro na UFPA, estamos unidos em articulação curatorial com pesquisadores de religiões Afro-amazônicas e artistas pertencentes à comunidades de povos tradicionais de terreiros, vencendo as barreiras brancas do circuito artístico de Belém, e aguardem, porque a galera do turbante, tem visão oracular pra lá de pós-moderna, eu diria, inclusive, embreante, esse trabalho ainda vai despertar muitas vozes interiores. Aruanda é um lugar embreante? (essa questão fica pro próximo texto). Axé! Isabela do Lago.

2 comentários:

  1. inacreditável este sectarismo que acha que pode haver uma arte negra que não seja arte, ou uma cultura negra que não seja cultura...

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  2. Adorei seu relato Bela, tu és uma mulher líquida mesmo! Vou compartilhar, bjs!

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